PATRIMÔNIO
O geoparque, visto como uma ferramenta de planejamento e gestão territorial, fornece as diretrizes para o desenvolvimento sustentável possa acontecer. Tais diretrizes são balizadas pela valorização e conservação de todo o patrimônio ambiental existente no território. Para além disso, um geoparque contribui para uma consciência de pertencimento e identidade de toda a população sobre os patrimônios naturais e culturais no território que habitam.
Um geoparque é uma criação de pessoas para pessoas e assume que, de maneira geral, um monumento natural é quase sempre associado a algum aspecto cultural.
Assim, a geodiversidade, a biodiversidade e o patrimônio cultural, seja este último material (construído) ou imaterial (manifestações culturais), devem ser objetos de valorização e conservação.
Biodiversidade
A riqueza da biodiversidade observada no território do Geoparque Serra do Sincorá é superlativa, sendo marcada pela presença de espécies endêmicas da fauna e da flora e compõe um patrimônio natural que merece sua preservação. Esse território é palco do encontro de três (3) importantes biomas brasileiros, a Caatinga, o Cerrado e a Mata Atlântica. Além disso, vários e diferenciados ecossistemas são encontrados; campos rupestres, campos gerais, capitinga, florestas, matas de encosta, matas de altitude, matas ciliares e brejos (QUEIROZ et al, 2008).
A Caatinga é uma vegetação característica e exclusiva de áreas de clima semiárido do Nordeste brasileiro. Ocorre em áreas de baixa altitude, onde as estações chuvosas são curtas e irregulares. A caatinga é dominada por árvores e arbustos espinhosos, com galhos retorcidos e folhas que caem na estação seca, para além de cactos colunares.
O bioma Cerrado é típico do Planalto Central Brasileiro, mas também ocorre no território do Geoparque Serra do Sincorá, onde as condições ecológicas são localmente semelhantes ao Brasil Central. São encontrados em áreas planálticas, com solos são predominantemente arenosos, com altitudes acima de 1.000 metros e uma estação seca definida. O Cerrado está entre os três biomas brasileiros de maior biodiversidade, superado apenas pela Mata Atlântica e Floresta Amazônica. Ele é caracterizado por uma vegetação herbáceo-arbustiva com muitas ervas, arbustos, palmeiras e árvores esparsas, com troncos tortuosos. Todavia, o cerrado é marcado por um conjunto fitofisionomias variadas que incluem desde o campo rupestre até o cerradão. Na área do geoparque, as áreas de cerrado são mais facilmente encontradas na face oriental da Serra do Sincorá, que funciona como barreira física as nuvens úmidas oceânicas, permitindo umidade suficiente para o desenvolvimento do cerrado, nos locais dotados de solos mais arenosos e mais ácidos. No vale do Cercado, entre os Morros do Pai Inácio e do Camelo encontram-se condições ecossistêmicas favoráveis para o estabelecimento de vegetação típica do cerrado, com solos relativamente espessos (>1metro), pluviosidade média anual de 1.000mm e temperatura média por volta de 22°C. Apenas nessa área são conhecidas e descritas 255 espécies vegetais (GRILLO, 2008).
Florestas cobrindo encostas das serras e os planaltos do Geoparque Serra do Sincorá eram bastante comuns no passado, mas hoje estão limitadas a algumas manchas classificadas como remanescentes locais do bioma Mata Atlântica. Apenas na parte norte do território do geoparque já foram descritas 137 espécies arbóreas (FUNCH, 2008).
Essas florestas podem ser classificadas como Matas Ciliares, que são faixas estreitas ao longo das calhas dos rios, Matas de Encosta, adjacentes as ciliares e que contém o maior número de espécies, Matas de Planalto, hoje amplamente degradas por atividades madeireiras e pecuária, e Matas de Grotão, situadas em fendas estreitas e profundas nos topos dos morros e chapadões.
Os Campos Rupestres são ecossistemas que ocupam vastas áreas da Serra do Sincorá e da Cadeia do Espinhaço como um todo. A vegetação é aberta, do tipo herbácea-arbustiva, e se desenvolve sobre solos rochosos em altitudes superiores a 800 metros. A combinação de altitude elevada e pavimento rochoso impõe um regime ambiental que inclui, diariamente, grandes variações térmicas e de umidade, forte insolação e suprimento de água insuficiente boa parte do ano. Segundo QUEIROZ et al, 2008, a flora dos campos rupestres apresenta grande riqueza de espécies, superior mesmo à encontrada, por exemplo, na Floresta Amazônica. Além de líquens nos cumes rochosos, as famílias vegetais mais abundantemente encontradas nos campos rupestres são cactos, orquídeas, bromélias e canelas-de-ema, todas muito especializadas e adaptadas para as condições ambientais hostis desse ecossistema. Na figura abaixo observa-se uma espécie local de orquídea (Laelia Sincorana) vivendo sobre uma canela-de-ema (Vellozia Sincorana).
Os Campos Gerais, representam uma fitofisionomia peculiar que ocorre, por exemplo, nos “Gerais de Mucugê, do Vieira e do Rio Preto”. Ocupam grandes extensões no topo plano das serras, e são um tipo de vegetação campestre herbácea, que se desenvolve sobre solos arenosos profundos, acima de 1.000 metros de altitude. A vegetação é dominada por ervas pequenas e rasteiras, de até 30cm de altura, que sob o sol do fim da tarde adquire uma tonalidade amarelada, semelhante às savanas africanas. Além das gramíneas, outras plantas típicas desse ecossistema são as sempre-vivas (Família Eriocaulaceae).
A Capitinga é um termo usado localmente para designar ecossistemas com vegetação arbustiva sobre dunas estabilizadas, com solo constituído por areia fina e profunda, em altitudes abaixo de 500 metros (QUEIROZ et al, 2008). Um dos arbustos mais característicos e largamente encontrado no território é a Mangabeira (Hancornia speciosa), que além de látex, fornece a fruta mangaba.
Brejos são amplas áreas alagadas, cujo substrato é plano e pouco permeável ou estão localizadas próximo a reservatórios de águas superficiais ou subterrâneas. Em particular, os brejos de altitude, encontrados nas partes superiores dos planaltos e serras, representam áreas importantes e estão vinculadas às nascentes de muitos rios ou, por vezes, áreas de recarga dos aquíferos. Estão associadas á ocorrência de gramíneas e apresentam baixas profundidades.
No Geoparque Serra do Sincorá o “Pantanal de Marimbus”, para além dos brejos de altitude, merece destaque uma grande área alagada e que é um grande atrativo turístico, que se estende entre os municípios de Lençóis e Andaraí, localizado na bacia do Rio Santo Antônio no flanco leste da serra do Sincorá. As plantas aí encontradas são adaptadas a solos com pouco oxigênio e muitas delas flutuam acima do nível de água, como a famosa vitória régia. Acredita-se que essa área alagada foi formada de maneira antrópica, com o acúmulo dos sedimentos oriundos do garimpo na serra e que se acumularam no sopé da Serra do Sincorá, em uma área de convergência de diversas drenagens. Cabe destacar, que essa área não é um brejo, mas sim um grande pântano, com presença de vegetação mais variada, profundidades maiores e situado em uma área rebaixada do relevo.
A fauna presente no território do Geoparque Serra do Sincorá é também rica e exuberante e a região ainda abriga várias espécies ameaçadas de extinção. Quando se explora esse território, o elemento faunístico que mais nos chama a atenção é a sua comunidade de aves, cuja abundância já permitiu o reconhecimento de cerca de 370 espécies (CARVALHAES & MACHADO, 2008).
Observadores de aves de todo mundo chegam ao território em busca de avistamentos da sua ave mais emblemática, por ser endêmica, o beija-flor-de-gravatinha-vermelha (Augastes lumachella).
Ao contrário da avifauna, que não apresenta muito endemismo, os peixes apresentam um alto percentual de espécies endêmicas. Isso provavelmente é o resultado do efeito isolador das montanhas, que separam os diversos vales da região. SANTOS & CARAMASCHI (2008) descrevem 32 espécies de peixes no Rio Santo Antonio, cujas espécies dominantes são: traíra-cabeça-de-lama, piaus, cumbá, crumatá, piranha, sabarona, corró e barrigudinho.
30 espécies de anfíbios anuros (sem cauda, como, sapos, rãs e pererecas) já foram descritos no território e 36 espécies de répteis também já são conhecidas, sendo 32 de lagartos e serpentes, além de duas espécies de tartarugas e duas de jacarés, sendo o jacaré-do-papo-amarelo um dos mais interessantes.
Poucos estudos existem sobre os mamíferos que habitam a Chapada Diamantina. Contudo, um estudo efetuado no povoado do Remanso, nas margens do Pantanal do Marimbus, indicou o reconhecimento de 32 espécies entre elas, tatus, porcos-do-mato, antas, cutias, capivaras, tamanduás, raposas, quatis, pacas, macacos, entre outros (NETO, 2008). A anta, o tatu-canastra, o tamanduá-bandeira e o macaco-guariba, são atualmente considerados extintos no território devido, provavelmente, à caça e destruição de habitats.
Geodiversidade
O território onde se pretende instalar o Geoparque Serra do Sincorá engloba toda a área dos municípios de Andaraí, Lençóis, Mucugê e Palmeira, somando cerca de 6.300 km2 e fica situado na porção leste da Chapada Diamantina, na região central do Estado da Bahia. Toda a possui uma rica geodiversidade, marcada por relevos ruiniformes e com pacotes rochosos que registram 1,6 bilhões de anos da história da Terra, para além de aspectos peculiares da atividade garimpeira ali exercida desde o século XIX e que transformou de maneira marcante parte da paisagem na região. Parte dessa geodiversidade vem sendo objeto de estudos de diversas universidades e empresas brasileiras, já que abriga informações importantes da evolução geológica da Terra, em particular da América do Sul e compõe um rico patrimônio geológico que precisa ser valorizado e conservado.
A Serra do Sincorá está situada no flanco oriental da Chapada Diamantina que, por sua vez, é a porção mais setentrional da Cordilheira do Espinhaço, uma imponente cadeia de montanhas em território brasileiro, com mais de 1.000 km de extensão e que se estende desde o sul da Minas Gerais até o norte da Bahia. Essa cadeia foi formada há cerca de 600 milhões de anos pela colisão de blocos continentais.
A Serra do Sincorá constitui-se, portanto, em um segmento do Espinhaço e é constituída por rochas sedimentares e/ou metassedimentares que datam de 1,6 a 0,6 bilhão de anos (Eras Meso e Neoproterozóica). As altitudes variam entre 320 e 1800 m.
O relevo serrano se destaca como um elemento importante e valorizado da geodiversidade da região, de maneira que a geomorfologia é uma temática importante nesse território, que é constituído por vales amplos ou apertados, com vertentes escarpadas, margeados por morrarias de topos planos e alongados, devido ao forte controle das estruturas presentes no pacote rochoso, que condiciona a evolução do relevo, concentrando os processos erosivos ao longo dos planos de fratura ou de acamamento. Como resultado desses processos, são diversas as cachoeiras ali presentes, em função dessa erosão diferencial, que está amplamente presente na área onde se pretende instalar o Geoparque Serra do Sincorá. Dentre esse conjunto de quedas d´água, destaca-se a Cachoeira da Fumaça, com um desnível de 340 metros, sendo a segunda mais alta do Brasil.
Esse relevo e os processos erosivos que atuaram nesse contexto deixaram como legado um cenário com paisagens belíssimas, que podem ser observadas de muitos lugares, mas particularmente de mirantes naturais no topo desses morros-testemunho como o Morro do Pai Inácio.
A água é outro importante elemento da geodiversidade no território e algo a ser preservado, pois é nesse território que se concentram nascentes importantes da bacia hidrográfica do Rio Paraguaçu, uma das mais importantes no abastecimento de várias cidades baianas a leste do território, inclusive respondendo por mais de 50% do abastecimento hídrico da sua capital, Salvador. A abundância de água no território do geoparque é proporcionada por fatores geológicos e geográficos, já que consiste em uma área de recarga hídrica, com nascentes ainda preservadas e situadas em Unidades de Conservação, protegidas por matas ciliares e um clima favorável, ainda que no passado a atividade garimpeira tenha revirado muitos leitos de rios.
O clima local no Geoparque Serra do Sincorá é diferenciado em relação ao seu entorno, que é claramente semiárido, enquanto no território é tropical semiúmido. As encostas orientais da Serra do Sincorá proporcionam barreiras naturais para nuvens que viajam para oeste a partir do Oceano Atlântico e trazem umidade que se condensa ao subir a encosta leste da Chapada Diamantina e despeja sua carga nessa região. A altitude contribui para uma temperatura amena, com média anual entre 20°C e 24°C. Nos planaltos, na porção oeste do geoparque, o clima é de transição, oscilando entre semiúmido e semiárido, dependendo da sua posição em relação as serras que retem naturalmente a umidade.
Outro importante elemento da geodiversidade no território é a ocorrência de diamantes em rios, barrancos e serras. Na verdade, o ciclo econômico minerário da extração do diamante, que se deu ao longo dos séculos XIX e XX, gerou muita riqueza para alguns dos seus habitantes e marcou profundamente, e de modo duradouro, a história de vida de muitas famílias que habitam a região assim como as manifestações culturais ainda hoje preservadas. Essa atividade modificou sobremaneira a paisagem, de maneira que em alguns locais, como no distrito de Xique Xique de Igatu, uma vila do município de Andaraí, tem-se hoje uma paisagem cultural que é representativa da intensidade das modificações deixadas pelo garimpo de diamantes ao longo de boa aparte da região.
Obviamente o conjunto das rochas encontradas na Serra do Sincorá é um importante elemento da geodiversidade regional. Ali são encontradas rochas sedimentares clásticas como conglomerados, arenitos, siltitos e argilitos, além de rochas carbonáticas. São também encontradas rochas magmáticas intrusivas e extrusivas, formadas mediante uma atividade vulcânica pretérita. Em alguns locais esses pacotes rochosos sofreram alterações metamórficas que, por vezes, modificam as características originais dessas rochas. Diante disso, na região podemos encontrar exemplares das três categorias conhecidas de rochas.
As rochas sedimentares, foram acumuladas em antigas e variadas bacias sedimentares, com ambientes de sedimentação tanto continentais como marinhas, e conde se deram as atividades vulcânicas. Apesar de serem muito antigas, essas rochas sofreram pouca deformação – já foram depositadas sobre uma plataforma estável, preservando estruturas sedimentares que permitem aos pesquisadores interpretarem sua origem e evolução, bem como auxiliam na compreensão da evolução das condições ambientais do planeta Terra, mediante a sucessão de ambientes ali encontrados e bem preservados em pacotes rochosos que contam com centenas de metros de espessura.
Os estudos ali realizados demonstram que na região hoje conhecida como Serra do Sincorá, já existiram grandes sistemas fluviais, com deltas, em meio a amplos desertos, contando ainda com ambientes lacustres e lagunares além de ambientes marinhos rasos e, relativamente, profundos. Depois dessa fase, há cerca de 900 milhões de anos passaram por ali grandes geleiras. Mas tarde, com o derretimento dessas geleiras, o nível do mar subiu e mares amplos e rasos cobriram uma boa parte da região. Ou seja, em alguns momentos, partes daqueles sertões viraram mares de fato, mas mais tarde foram invadidos por geleiras, até quer foram cobertos por outros mares que depois secaram e, desde então, a região é objeto de processos erosivos que vêm entalhando o relevo da região. Os capítulos da História da Terra registrados nas rochas do Geoparque Serra do Sincorá abrangem um intervalo de tempo que corresponde a cerca de 1 bilhão de anos, o que representa algo em torno de 20% do tempo de existência do planeta.
A maior parte das rochas encontradas no território são constituídas de grãos de areia, com composição, dominantemente, silicosas e produzem solos pouco evoluídos, pobres e de pequena espessura. Sendo assim, a maior parte desses solos não se prestam à agricultura em razão de suas características morfológicas, físicas e químicas adversas. Quando submetidos à agricultura ou pecuária são facilmente degradados. Entretanto, são elementos da geodiversidade importantes por suportar o crescimento de plantas nativas, sendo importantes para nidificação por parte de abelhas e outros visitantes florais, responsáveis pela dispersão de sementes e polinização. Entretanto, nos locais onde ocorrem rochas carbonáticas, ou em locais mais aplainados e onde estão expostas as unidades mais inferiores e que correspondem aos ambientes fluviais e/ou deltaicos, como no planalto de Mucugê, os solos se mostram muito adequados para a agricultura, desde que bem manejados.
Patrimônio Cultural
A história da ocupação do território do Geoparque Serra do Sincorá determinou a construção do que se convencionou chamar de patrimônio histórico e cultural dessa região. Esse patrimônio é caracterizado pelas obras, fazeres, ciclos econômicos, manifestações culturais, hábitos, crenças e saberes de todos os habitantes desse espaço. O legado envolve bens urbanísticos da arquitetura, sítios arqueológicos, estradas reais, manifestações artísticas culturais e religiosas, festas populares, músicas, danças, gastronomia, diversificados modos de produção, saberes e fazeres formadores do patrimônio material e imaterial.
Em tempos pré-coloniais, habitavam esta região povos pré-históricos, nominados caçadores-coletores que deixaram muitos registros na forma de pinturas rupestres. Embora, existam muitos sítios arqueológicos com essas pinturas nas paredes rochosas do geoparque, e até mesmo em toda Chapada Diamantina; a Serra das Paridas, situada em Lençóis, é o único complexo representativo do patrimônio arqueológico.
O sítio arqueológico é estruturado, capaz de receber visitantes que podem se encantar com, pelo menos, quatro gerações de pinturas identificadas por diferentes cores de pigmentos (vermelho, amarelo, branco e preto) e grafismo. Elas são descritas figuras geométricas, antropomórficas e zoomórficas, as quais sugerem que o homem pré-histórico queria registrar aspectos da sua realidade. Era provavelmente a rede social da época, pois visto que eram nômades, os grupos deixavam essas mensagens, com informações valiosas aos próximos visitantes daquele sítio.
As Paridas receberam esse nome por causa de figuras antropomórficas que podem ser interpretadas como figuras femininas em posição de parto. Os estudos nas escavações em um desses sítios apresentou restos de fogueiras cuja datação radiométrica, indicou a idade de 8.000 anos. Entretanto, não há como relacionar esse achado com a idade das pinturas nas paredes do sítio.
Quando os colonizadores europeus chegaram à região da Chapada Diamantina, viviam aí muitos povos indígenas como os tapuia, payayá, gueréns, tupinambás, cariri e maracás. Por outro lado, os Tupis e os Guaranis ocupavam regiões litorâneas da Bahia e todos aqueles grupos interioranos com linguagens próprias, que falavam línguas do tronco linguístico Macro-jê , eram chamados coletivamente de Tapuias. Tapuia, portanto, não era apenas um povo, mas todos aqueles grupos indígenas que não falavam o Tupi-Guarani.
Esses indígenas eram grandes guerreiros e alguns pesquisadores atribuem à presença deles e sua resistência, ao deferimento secular na descoberta de diamantes no território do Geoparque Serra do Sincorá, se comparado com as descobertas de Minas Gerais nesse mesmo Espinhaço. A Chapada Diamantina permaneceu habitada somente por indígenas até meados do século XVII. A principal atividade econômica nessa época era a pecuária desenvolvida em sesmaria doada pela coroa portuguesa. Doada a Antônio Guedes de Brito por seu apoio à coroa na expulsão dos holandeses. Era um dos principais sertanistas da segunda metade do século XVII e lutou contra índios e escravos fugidos que se estabeleciam em quilombos.
Antes da descoberta dos diamantes, ocorreram dois outros ciclos econômicos (agropecuário e ouro) na região, que duraram séculos. A exploração dos diamantes, portanto, só iniciam na Chapada em 1832. Antes, havia uma proibição e monopólio por parte da coroa.
Desde o século XVI , há registros históricos da passagem pela Chapada Diamantina de Bandeiras, sertanistas e aventureiros que desbravavam as terras brasileiras em busca por metais e pedras preciosas. Entretanto, diamantes só foram descobertos na Serra do Sincorá em 1844. A descoberta, é atribuída a José Pereira do Prado, tropeiro, residente em Cascavel. Segundo Helena Medrado, Cazuzinha, sempre, que passava naquela região, percebia que o cascalho do leito do Cumbucas se assemelhava ao da Chapada Velha, onde existia garimpo. No dia 25 de junho de 1844, na companhia do afilhado Cristiano Pereira do Nascimento, levando sua tropa, ao descansar para comer sua provisão, encontrou diamantes. Essa descoberta, hoje no município de Mucugê, deflagrou uma importante migração de pessoas para a região. Estima-se que rapidamente cerca de 30.000 pessoas se estabeleceram no território, dando início ao ciclo econômico do garimpo de diamantes, que se iniciou em 1832.
A região conhecida como “Lavras Diamantinas” corresponde hoje ao território do Geoparque Serra do Sincorá que engloba os municípios de Andaraí, Lençóis, Palmeiras e Mucugê.
Por volta de 1870, a primeira onda de garimpo de diamantes gema (monocristalino) declina por esgotamento parcial das jazidas de serra e leito de rio e também pela descoberta (em 1867) de novas e ricas jazidas na África do Sul. A estagnação econômica e êxodo que se seguiu, teve como principais causas as estiagens frequentes e a seca (1859 a 1860), a expansão das jazidas dos diamantes na África do Sul (1860 a 1870), baixa produção local (1900) e a guerra entre França e Alemanha (1914). Esse declínio só foi interrompido, temporariamente, pela valorização de diamantes negros microcristalinos (chamados de “carbonados”), utilizados como abrasivos em grandes obras viárias (túneis e o canal do Panamá) na Europa e Estados Unidos, a partir de 1883. O ciclo dos carbonados entrou em declínio na região na primeira década do século XX.
A última onda mineradora significativa ocorreu na década de 1982, quando minas mecanizadas com potentes dragas, foram garimpados diamantes, antes inacessíveis nos leitos e barrancos dos rios. Entretanto, deslocar as pesadas máquinas que faziam esse trabalho não era fácil.
A ideia da proteção ambiental havia ganho força, provocado pelos movimentos ambientais e criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD) criado em 1985, pelo então IBDF (depois IBAMA e agora ICMBio).
A exploração mecanizada foi, finalmente, proibida pela União e pelo Estado da Bahia em 1996. O patrimônio mineiro/garimpeiro deixado pelo ciclo do garimpo de diamantes não só está presente na identidade cultural do território, através de lendas, literatura, manifestações artísticas e religiosas, os vestígios materiais na forma de trilhas, abrigos nas montanhas, equipamentos abandonados ou depositados em museus, a exemplo do Museu do Garimpo na cidade de Mucugê, além do sentido de pertencimento.
Durante a maior parte do século XX, a sobrevivência econômica da Serra do Sincorá assentou-se na agropecuária e na exploração das sempre-vivas na região de Mucugê. A estagnação econômica após um ciclo mineral que trouxe muita riqueza regional resultou no “congelamento” estrutural das vilas e cidades e permitiu a preservação de um rico patrimônio arquitetônico que evidencia uma época de grande progresso econômico no século XIX. A partir de 1973, esse patrimônio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). Primeiro, o centro histórico de Lençóis, seguido pelo centro de Mucugê, a vila de Igatu e alguns monumentos nas cidades de Palmeiras e Andaraí.
No início do ciclo minerário do diamante se estabeleceu na região o fenômeno do coronelismo. “Coronel” era um patriarca local, que adquiria uma patente da Guarda Nacional e exercia diversas funções na comunidade, desde a governança municipal até a administração de Justiça. Uma época de muita rivalidade, clientelismo político, exploração, escravização, opressão e violência entre famílias.
Nesse ambiente de coronelismo, uma lenda se tornou corrente, um misto de herói popular, defensor de inovações para a região e autoridade local, o Coronel Horácio de Matos. Ele liderou, pessoalmente, uma tropa de cerca de 600 homens, o Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas, que perseguiu a Coluna Prestes (rebeldes do exército e sertanejos contrários ao domínio das oligarquias rurais) na sua passagem pela Chapada Diamantina em 1926.
A autoridade dos coronéis começou a ceder, após a vitoriosa revolução de 1930, liderada pelo Presidente Getúlio Vargas que lançou as bases da República Nova, com o fortalecimento do governo federal em detrimento dos governos estaduais. Com o assassinato de Horácio de Matos em Salvador (1931), chegou ao fim o fenômeno do coronelismo na Chapada Diamantina com a morte de seu último remanescente.
No rastro da criação do PNCD em 1985, outras unidades de conservação foram criadas no território do Geoparque Serra do Sincorá que visa proteger a sua rica diversidade natural. Assim, em 1986 foi criado o Parque Municipal do Serrano em Lençóis e, em 1994, a Área de Preservação Ambiental (APA) Marimbus- Iraquara.
Outras unidades foram criadas em Andaraí (incluindo o Parque Urbano de Igatu); em Palmeiras os parques municipais do Riachinho e Morro do Pai Inácio; e em Mucugê o Parque Natural Municipal de Mucugê. Essa onda conservacionista, junto ao tombamento de cidades históricas e a construção do aeroporto regional e o hotel de alto padrão em Lençóis, deflagrou o ciclo econômico na região com o turismo.
Em vista dessa rica história de ocupação da Serra do Sincorá, não causa estranheza se constatar a diversidade de manifestações culturais, ainda preservadas, e que são consideradas partes indissolúveis do patrimônio cultural imaterial do território. Patrimônio esse que foi recentemente (2023) ainda mais valorizado com o inventário e registro da festa como patrimônio imaterial da celebração ao Senhor Bom Jesus dos Passos, padroeiro dos garimpeiros de Lençóis.